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Energia entrega conta bilionária para montadoras – CERPCH

O impacto a ser administrado nos próximos quatro anos por montadoras e grandes fabricantes de autopeças é estimado em R$ 1,6 bilhão, levando-se em consideração que o setor consome 5% da energia contratada no chamado mercado livre, onde o custo adicional desse insumo deve alcançar R$ 32 bilhões até 2018 – conforme projeção da Abrace, a entidade que abriga grandes consumidores industriais de energia.

A conta varia de empresa para empresa, a depender de fatores como prazos, consumo, custos de transmissão e exposição aos novos preços. Mas, em geral, fabricantes de automóveis e alguns de seus maiores fornecedores queixam-se de aumentos na faixa de 15% a 30% em 2015, o que, dizem eles, elimina o benefício dos descontos na energia promovidos pelo governo no ano passado.

No mercado livre, como o nome sugere, há liberdade para se negociar diretamente com geradoras ou comercializadoras de energia contratos de médio e longo prazo. Na maioria das vezes, as empresas procuram cobrir de três a cinco anos de consumo para se protegerem da volatilidade de preços no mercado à vista, onde o valor do megawatt-hora (MWh) "decolou" nos últimos meses e já supera R$ 822.

O problema é que no longo prazo os preços também dispararam em decorrência da escassez de chuvas, que reduziu o nível de água nos reservatórios de hidrelétricas, diminuindo a capacidade de geração. Para não comprometer o abastecimento, todas as usinas térmicas do país tiveram de ser acionadas, mas nesse caso o custo de geração é mais alto.

O preço do megawatt-hora em contratos de 12 meses, cobrindo o consumo de 2015, atingiu, então, R$ 450, ou quatro vezes a mais do que as empresas estão pagando neste ano. Nos contratos de três anos, o preço é menor – em torno de R$ 300/MWh, conforme fontes do mercado -, mas, ainda assim, cerca de três vezes mais caro do que o custo atual.

O impacto para a indústria não é da mesma magnitude porque as empresas costumam carregar em carteira contratos fechados antes da alta de preços. A exposição se limita apenas aos contratos que estão sendo renovados. Mas como, em geral, sempre há contratos em vencimento todos os anos, altas de preço acabam aumentando o custo médio dessas carteiras.

No setor de veículos, o consumo está longe da carga demandada pela metalurgia ou pela indústria química, que absorvem, respectivamente, 26% e 15% do que é vendido no mercado livre, conforme dados da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). A alta no preço da energia, no entanto, tem provocado espanto entre dirigentes da indústria automobilística, não apenas por ser superior ao aumento de outras matérias-primas, mas também por colocar mais pressão sobre custos num momento em que eles tentam se recuperar do tombo de vendas e exportações sofrido neste ano.

Se repassarem a nova conta aos preços dos carros, as montadoras colocam em risco a recuperação do mercado, que já estará, no ano que vem, vulnerável à possibilidade de retirada de ao menos parte dos descontos no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) cobrado nas vendas de automóveis. Se não repassarem, garantem um ambiente mais favorável à retomada das vendas, mas ao custo do sacrifício das margens de lucro.

Nos últimos anos, a segunda lógica é a que tem prevalecido. Levantamento do setor mostra que entre 2011 e 2013 os custos das montadoras com mão de obra e logística subiram, respectivamente, num ritmo anual médio de 8,5% e 11,7%, ao passo que, nos três anos, o preço dos veículos novos no país caiu mais de 5%.

"Duas coisas nos preocupam mais para 2015: o alto custo da assistência médica para funcionários e o preço da energia", diz Silvio Barros, diretor da Meritor, que produz eixos para a indústria de caminhões em Osasco, na Grande São Paulo. "Parte desse custo terá de ser dividida com o cliente, outra parte terá d ser absorvida por nós", acrescenta o executivo.

Nas fábricas de pneus, os custos de produção subiram 50% nos últimos sete anos, enquanto o preço final do produto ao consumidor avançou mais lentamente, acumulando alta de 29,3% em igual período, de acordo com a Anip, entidade que representa o setor.

Alberto Mayer, presidente da Anip, diz, sem revelar nomes, que dois grandes fabricantes de pneus já relataram aumentos de 20% a 30% com a atualização de contratos de energia. "Estamos perdendo margem e capacidade de inovação. Assim, fica cada vez mais difícil cobrar investimentos de nossos acionistas. Estamos nos tornamos cada vez menos competitivos e rentáveis", reclama o executivo.

Além dos preços mais altos, fabricantes de veículos citam problemas como instabilidade no fornecimento, por conta de deficiências na infraestrutura de transporte de energia, e demonstram preocupação com risco de racionamento no ano que vem, apesar de o governo descartar essa possibilidade. Lembram ainda de um impacto indireto sobre o consumo de carros, já que o preço maior das tarifas nas residências reduz a renda disponível para compra de outros bens.

"Primeiro, não sei se vou ter energia. Se tiver, não sei qual será a qualidade dessa energia", diz François Dossa, presidente da Nissan no Brasil. "Fizemos nossa parte, investimos R$ 2,6 bilhões no país, pagamos impostos e agora não tem energia? Isso não acontece em nenhum lugar do mundo", diz o executivo, que inaugurou em abril a nova fábrica da Nissan em Resende, no sul do Rio de Janeiro. Segundo ele, interrupções no fornecimento de energia têm comprometido o funcionamento da linha de pintura de veículos, um dos setores que mais consomem eletricidade numa fábrica de veículos.

Paulo Pedrosa, presidente da Abrace, classifica como "trágica" a situação vivida pelos grandes consumidores de energia. Ele diz que, além do aumento no preço dos novos contratos, o custo da transmissão ficou quase 70% mais alto. Já quem opera no mercado cativo – onde compra-se energia das distribuidoras que atendem a região – está pagando neste ano tarifas 24% mais caras.

Carlos Zarlenga, diretor financeiro da General Motors (GM), diz que a montadora ainda não sentiu os efeitos dos novos preços, mas que isso poderá ser um problema em 2015, quando vencem contratos do grupo. "Vamos enfrentar a situação com maior produtividade", afirmou o executivo após participar, no mês passado, de um congresso do setor automotivo.

Na BMW, a energia ainda não é motivo de grande preocupação. Contudo, poderá ser daqui um ano, quando seu consumo vai quadruplicar com o início das operações das linhas de carroceria e pintura na fábrica de carros premium inaugurada recentemente no norte de Santa Catarina. Por enquanto, a marca alemã está preferindo operar no mercado cativo.

A modernização do parque industrial, com a instalação de equipamentos mais eficientes, permitiu ao setor reduzir, via ganhos de produtividade, o consumo de energia a cada automóvel que sai das linhas de produção. Paralelamente, a dependência ao fornecimento que chega do sistema interligado nacional vem caindo à medida que as empresas investem em geração própria e avançam no uso do gás ou de fontes alternativas, como a energia solar – essa última aproveitada na fábrica de motores da GM em Joinville (SC).

Mesmo assim, os fabricantes dizem que é significativo o impacto da nova conta. Nas linhas de produção de pneus, a energia responde por cerca de 2,5% do custo total, diz a Anip. No grupo Randon, que produz desde freios a implementos rodoviários e caminhões usados em grandes construções, esse peso, a depender da empresa, pode variar de 1% a 10%, diz o diretor de compras, Esdânio Nilton Pereira. Segundo ele, fábricas de autopeças, sobretudo por conta da fundição, são relativamente mais atingidas do que a indústrias de veículos.

A falta de perspectiva de recuperação nos níveis dos reservatórios – o que poderia pressionar os preços novamente para baixo – tem levado empresas a alongar contratos no mercado livre. Isso também é uma estratégia para minimizar o impacto dos novos preços, uma vez que quanto maior o prazo, menor o valor cobrado pelo megawatt-hora.

Neste ano, a Randon está negociando contratos até 2016. Pereira diz que, por esse prazo, é possível encontrar preços na faixa de R$ 170 a R$ 220. "Nosso risco é voltar a chover muito. Mas vale a pena fechar contratos por esse valor porque nada indica que vai chover muito mais", afirma o executivo.

Setor também ganha com a venda no mercado livre

A disparada no preço da energia colocou mais peso sobre os custos da indústria de veículos, mas, por outro lado, permitiu ao setor faturar com a venda do insumo no mercado à vista, onde o preço do megawatt-hora (MWh) passa de R$ 822. Em doze meses encerrados em setembro, montadoras, junto com grandes fabricantes de autopeças, venderam 7,7% da energia contratada a preços mais baixos, mas não consumida por conta da menor atividade das fábricas.

A Mahle Metal Leve, por exemplo, triplicou neste ano a receita não recorrente com a venda de energia, que saiu de R$ 7,2 milhões para perto de R$ 23 milhões nos nove primeiros meses de 2014.

"Com a diminuição da demanda de carros, a indústria reduziu a produção e consumiu menos energia. Houve um efeito benéfico porque a energia contratada e não consumida foi liquidada pelo preço "spot" [à vista]", diz o professor Nivalde de Castro, que coordena o grupo de estudos do setor de energia elétrica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Segundo ele, essas empresas têm conseguido reduzir prejuízos ou ampliar lucro com o ganho obtido a partir da diferença entre os valores mais baixos pagos em contratos e o alto preço da energia no mercado à vista. O atual preço "spot", de R$ 822,83/MWh, é mais de quatro vezes superior ao praticado normalmente em contratos no mercado livre em períodos de chuvas regulares.

Neste ano, a produção de veículos caiu drasticamente em decorrência da queda tanto da demanda doméstica como das exportações. Só no terceiro trimestre, o consumo de energia nesse setor caiu 11,4%, na comparação com o mesmo período do ano passado.

Num país em que o fornecimento de companhias elétricas é, por vezes, colocado em risco e onde o preço do insumo está entre os mais altos do mundo, Volkswagen e Honda fizeram investimentos pesados em geração própria.

Há quatro anos, a Volks deu início às operações de uma pequena central hidrelétrica (PCH) no rio Sapucaí, no norte do Estado de São Paulo, após investir cerca de R$ 140 milhões no empreendimento. A montadora ainda planeja construir, no mesmo rio, sua segunda PCH, num investimento estimado em R$ 160 milhões que poderá elevar para 40% a autossuficiência das fábricas da Volkswagen no consumo de eletricidade.

Já a Honda marcou para a última semana deste mês – no dia 26 – a inauguração em Xangri-Lá, no Rio Grande do Sul, do primeiro parque eólico da multinacional japonesa no mundo. Foram investidos R$ 100 milhões no empreendimento, que vai suprir 100% da demanda por energia da fábrica de carros da marca em Sumaré, no interior de São Paulo.

Executar projetos de autogeração, porém, não livra as empresas do risco de faltar energia a suas operações. Segundo especialistas do setor elétrico, o impacto de um eventual racionamento para os autoprodutores dependeria das regras que seriam definidas para o programa.

Considerando a regra do racionamento feito entre 2001 e 2002, só estariam livres de cumprir o programa aqueles autoprodutores cujo projeto de geração estivesse situado dentro da própria unidade industrial, desconectado do sistema elétrico nacional – o que não é o caso das duas montadoras. As empresas donas de projetos de autoprodução "remota" teriam, então, de participar do racionamento da mesma forma que os demais consumidores.

Fonte: Valor Econômico